Desde o início da pandemia, empresas e instituições do mundo inteiro têm se concentrado no desenvolvimento de vacinas para imunizar as suas populações. Cerca de um ano após os primeiros casos de Covid-19, e após recorde histórico no tempo de desenvolvimento e produção em grande escala de uma nova vacina, já começamos a receber as primeiras doses testadas e aprovadas pelos órgãos reguladores.
Nessa entrevista, o infectologista clínico e Diretor Médico do LabCK, Doutor Ricardo Kosop, comenta os principais pontos referentes à imunidade contra a doença.
1) Quanto tempo dura a imunidade de quem teve COVID-19?
Estudos apontam que o tempo de imunidade após a infecção é variável, ficando em média entre 5 e 8 meses. Muitos pacientes com certeza apresentarão imunidade duradoura após uma infecção . Por outro lado, como tem sido demonstrado, haverá vários pacientes que terão perda dessa imunidade e, por isso, a preocupação crescente com o risco de reinfecções.
2) É possível medir o “nível de imunidade” da pessoa?
Nossa imunidade é muito mais complexa do que mensurar a quantidade absoluta de anticorpos ou células de defesa contra uma determinada doença. Um exemplo disso é que pessoas que tiveram COVID-19, mas não desenvolveram anticorpos da classe IgG detectáveis no sangue, continuaram protegidas contra reinfecção. Isso se explica justamente por termos outras formas de imunidade que atuam ao mesmo tempo e em conjunto para nos proteger contra infecções. Por outro lado, é possível identificarmos doenças que sabidamente interferem no bom funcionamento da imunidade como um todo, como diabetes, HIV, doença renal crônica, entre outras.
4) Existe diferença entre a imunidade adquirida pelo contato com o vírus “in natura” e aquela oferecida pelas vacinas?
Sim. Como a imunidade adquirida pós-infecção é transitória – contrastando com a imunidade mais “robusta” induzida pela vacinação – é importantíssimo que todos vacinem-se, incluindo aqueles que já tiveram COVID-19, para garantir um nível alto, seguro e durador de proteção contra a infecção pelo novo coronavírus.
5) Sabe-se que os vírus, em geral, são altamente mutáveis. Agora tem se falado nas novas variantes do Sars-Cov-2. Como isso afeta a eficiência dos testes e das vacinas?
Pela sua altíssima taxa de replicação, os vírus naturalmente sofrem bilhões de mutações. A maioria delas não confere vantagem alguma para o vírus; outras, podem conferir novas caraterísticas que os tornam mais adaptáveis à sua sobrevivência. As novas variantes mais recentemente descritas, como a B.1.1.7 (Inglaterra), trazem à tona diversos questionamentos quanto á possibilidade maior de transmissibilidade do vírus ou até mesmo de maior virulência – ou seja, maior capacidade de causar um quadro grave de COVID-19. No entanto, esses dados ainda não estão plenamente confirmados e, até onde tudo indica, essas novas variantes não afetam a eficácia das vacinas atualmente desenvolvidas. Mas um aspecto mais importante ao público geral é esclarecer que quanto mais pessoas contraem o vírus, maior a chance do mesmo sofrer mutações que possam ser “benéficas” para ele. Por isso, é fundamental que a circulação do vírus seja minimizada através da boa aderência às medidas de distanciamento social, uso de máscara facial e higiene de mãos.
5) Afinal, as vacinas são seguras?
Sim, extremamente seguras! Qualquer medicamento ou vacina, antes de ser lançado ao mercado, deve ser submetidos a rigorosos testes de eficácia e segurança que não se encerram mesmo após a liberação do seu uso pelos órgãos competentes.
Normalmente os estudos são divididos em 2 fases principais: os estudos pré-clínicos (realizados em laboratório, in vitro e em modelos experimentais animais) e os estudos clínicos, realizados em voluntários humanos, e divididos em 4 fases. Em resumo, os estudos de fase 1 focam em avaliar a segurança em voluntários sadios, enquanto os de fase 2 e 3 focam não só em continuar avaliando a segurança como também a eficácia em grupos progressivamente maiores de voluntários, sendo a finalização dos estudos de fase 3 suficiente para prosseguir à aprovação da vacina pelos órgãos reguladores. No entanto, a avaliação de eficácia e segurança das vacinas e medicamentos não se finaliza, pois os estudos de fase 4 – ou pós-comercialização – continuam a avaliar estes parâmetros continuamente em pacientes que façam destes produtos.
Até antes da pandemia cada fase de estudo só iniciava-se após a conclusão da fase imediatamente anterior. No entanto, a urgência em desenvolverem-se vacinas contra a COVID-19 acelerou os processos de realização dos estudos clínicos (fases 1 a 3) porém sem prejuízo na qualidade dos dados científicos obtidos. Além disso, boa parte das tecnologias utilizadas no desenvolvimento e produção de vacinas já são profundamente conhecidas, encurtando ainda mais o caminho para o desenvolvimento de novas vacinas que se façam necessárias.
6) Como se avalia a eficácia de uma vacina?
De forma bem simples, a eficácia é avaliada através da capacidade da vacina em se evitar que o grupo de indivíduos estudados desenvolvam a doença contra a qual uma determinada vacina foi desenvolvida. Dentro desse “objetivo geral” também são avaliados objetivos e desfechos secundários, como redução no tempo e intensidade de sintomas naqueles que acabam contraindo a doença, assim como redução do risco de complicações, hospitalizações e óbitos naqueles que foram vacinados e mesmo assim contraíram a doença. Um bom exemplo para analisarmos são os da CoronaVac disponibilizados pelo Instituto Butantan: a eficácia global da vacina foi de 50,8%, pois neste cálculo leva-se em conta tanto os casos de indivíduos que tomaram a vacina quanto os que tomaram placebo e que acabaram ficando doentes. No entanto, no grupo vacinado, houve uma eficácia de 78% em se reduzir a necessidade de busca por atenção médica e, o mais importante, é que não houveram hospitalizações, casos graves ou óbitos pela doença neste grupo – ou seja, eficácia de 100% para não adoecer com as formas graves da doença.
7) Quais as diferenças entre as vacinas disponíveis?
A principal diferença entre as vacinas é a técnica utilizada na produção destes imunizantes. As vacinas até o momento disponíveis encaixam-se nestes três grupos: vacinas de vírus inativado, vacinas de vetor viral e vacinas genéticas. Diversas outras vacinas bem conhecidas e amplamente utilizadas são produzidas com a técnica de vetor viral ou inativação de vírus/bactérias, como no caso das vacinas contra sarampo, caxumba, rubéola, tétano e coqueluche. Única exceção são as vacinas genéticas, como as que contém RNA mensageiro, que são inovadoras no campo de imunizações. Por outro lado, a tecnologia utilizada na manipulação do DNA e RNA já é bem conhecida e vacinas com estes componentes já foram previamente testadas e utilizadas em animais e não apresentaram problemas de segurança durante as pesquisas. Mas o mais importante é frisar que independentemente do tipo de vacina aplicada, nenhuma delas tem capacidade de causar doença, mas apenas a de induzir uma resposta imune eficaz e duradoura contra o vírus SARS-CoV-2.
8) Em um futuro breve teremos campanhas de vacinação anuais, como o caso da gripe?
O tempo de duração da imunidade contra a COVID-19 induzida pelas vacinas ainda não é conhecido no longo prazo – lembrando que temos pouco mais de 1 ano de seguimento dos primeiros voluntários vacinados. Por isso, é possível que sejam necessárias doses de reforço de uma ou mais vacinas utilizadas em algum momento futuro. No entanto, este é um dos principais parâmetros avaliados nos estudos de fase 4 que continuam avaliando a segurança e eficácia das vacinas contra a COVID-19.
9) Quais as recomendações para lidar daqui para frente?
Apesar da chegada das tão aguardadas vacinas, até que a maior parte da população seja imunizada devemos continuar seguindo as recomendações de distanciamento social, uso de máscaras e higiene de mãos. Assim garantimos não só a segurança dos que ainda não tiveram a oportunidade de se vacinar, estas recomendações também vale para os vacinados – importante lembrar que a vacina não age de imediato, pois o organismo necessita de um período mínimo de tempo (2 a 4 semanas) para que a vacina surta efeito e induza o corpo a produzir anticorpos contra o vírus.
10) Não estou dentro dos grupos prioritários. Quando vou ser vacinado?
Como a meta é vacinar toda a população e o número de pessoas a ser vacinado é muito grande – afinal, são países inteiros! – tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo a vacinação deverá ocorrer em etapas, priorizando-se os grupos que possuem maior risco de contrair a doença (como é o caso dos profissionais de saúde) e os de maior risco em adoecerem com as formas graves da COVID-19 (como é o caso de idosos, portadores de algumas doenças crônicas e obesidade mórbida). Outro questionamento que tem sido feito é o porque não vacinar primeiro a população economicamente ativa e, só depois, os idosos, já que este grupo pode permanecer mais tempo em isolamento enquanto o primeiro precisa sair para trabalhar. A justificativa para manter-se a vacinação dos grupos prioritários é que esta é a parcela da população com maior risco de contrair as formas graves da COVID-19 e, consequentemente, demandar cuidados avançados de saúde. Os dados epidemiológicos têm demonstrado que a principal forma de exposição dos idosos e doentes crônicos ao vírus são pelo contato com pessoas da própria família e que muitas vezes residem juntos na mesma casa. Por outro lado, esta primeira geração de vacinas não possui eficácia superior a 90% para se evitar qualquer tipo de sintoma da doença – ou seja, mesmo que as pessoas vacinadas só desenvolvam sintomas leves e não adoeçam gravemente, elas ainda possuem a capacidade de transmitir o vírus. Sendo assim, é mais lógico vacinar primeiro a parcela vulnerável, já que no momento as vacinas disponíveis não fornecem proteção suficiente para agirem como bloqueio vacinal com proteção indireta dos não vacinados através do desenvolvimento de uma imunidade de rebanho. Primeiro vacina-se os que morrem mais e os que demandam mais assistência, desafogando mais rapidamente os serviços de saúde.
Sobre o Dr. Ricardo Kosop
Médico formado pela Universidade Federal do Paraná, possui residência médica em Infectologia pelo Hospital Nossa Sra das Graças de Curitiba/PR. Atualmente é Diretor Médico do LabCK, além de atuar como Infectologista Clínico e Médico do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital da Cruz Vermelha – Filial do Paraná.
EXAMES DE COVID NO LABCK
Os exames de Covid podem ser realizados na sede do LabCK ou pela Coleta Móvel, que cobre a área de Curitiba e região metropolitana. Para agendamento ou em caso de dúvidas, conte com a Assessoria Médica e Científica do LabCK pelo Whatsapp (41) 9877-8334.
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