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Antibióticos: você está usando da forma correta?

Atualizado: 18 de nov. de 2020


Faz sentido prescrever quimioterapia para um paciente que não tenha câncer, ou insulina para um paciente que não seja diabético? Amputar um membro desnecessariamente? Certamente são condutas inadequadas e longe do que poderíamos classificar como “racional”, ou seja, baseado nos princípios científicos que norteiam a medicina moderna. Da mesma maneira, o uso de antibióticos por pacientes que não estejam sofrendo de doenças causadas por micro-organismos – ou seja, as infecções – não é adequado e deve ser desencorajado.


Os antibióticos são compostos químicos capazes de inibir o crescimento de micro-organismos. Eles estão presentes na natureza há bilhões de anos, porém foi com a descoberta da penicilina e seu isolamento pelo médico inglês Alexander Flemming no final da década de 1930 que entramos na “Era Antibiótica”, um dos principais avanços da Ciência. Graças à descoberta, desenvolvimento e produção em escala industrial de novos antimicrobianos, milhões de pessoas no mundo todo deixaram de morrer por

Variedade de antibióticos facilitou tratamentos
Variedade de antibióticos facilitou tratamentos.

diversas doenças infecciosas que, até o começo do século XX, eram intratáveis. Aliados às vacinas e ao saneamento básico, alcançou-se o expressivo aumento da expectativa de vida global e, consequentemente, atingiu-se um marco histórico da humanidade: pela primeira vez as doenças cardiovasculares e o câncer ultrapassaram as doenças infecciosas como principal causa de morte em todo o globo.


No entanto, os antimicrobianos (ATM) são uma classe de medicamentos que exige um tratamento diferenciado, pois o seu uso possui efeitos colaterais não só para o paciente em uso como também para a comunidade e o ecossistema como um todo. Assim, o uso disseminado e inadequado dos ATMs só potencializa estes efeitos deletérios desta importante classe de medicamentos.


LabCK apoia uso racional de antibióticos
Uso racional de antibióticos é indispensável.

Do ponto de vista individual, existem os riscos que são comuns a outras medicações, tais como as interações medicamentosas, alergias e outros efeitos adversos. Vale destacar que um dos efeitos colaterais mais comuns resulta justamente do efeito colateral da destruição dos “microrganismos do bem”: a diarreia é causada justamente pelo desequilíbrio na microbiota intestinal, resultando muitas vezes numa superinfecção por Clostridioides difficile – uma bactéria causadora de infecção intestinal e diarreia, que já é uma das principais infecções hospitalares.


Já do ponto de vista coletivo, os efeitos colaterais dos antibióticos são ainda maiores. Tanto em nosso corpo quanto na natureza vivem bilhões de bactérias, fungos e demais micro-organismos que são inócuos e vivem de forma harmoniosa e até mesmo benéfica inclusive para os seres humanos. No entanto, como os ATMs atuam pela pressão seletiva sobre os micro-organismos independentemente de serem causadores ou não de infecções, isso resulta tanto na redução massiva das espécies microbianas benéficas quanto em um dos principais problemas de saúde enfrentados hoje: o desenvolvimento da resistência aos antimicrobianos.


Como os antibióticos são moléculas que originalmente foram extraídas da natureza, o uso massivo tanto na saúde humana quanto na agropecuária resultou em um impacto ambiental sobre as diversas espécies de micróbios existentes na Terra e em curto espaço de tempo. Consequentemente, são cada vez mais comuns infecções hospitalares causadas por “superbactérias”, germes resistentes a muitos ou até mesmo a todos os antimicrobianos disponíveis. Por isso, chegamos hoje na era “pós-antibiótica”, pois o ritmo de desenvolvimento de novos antibióticos não consegue competir com a rapidez com que as bactérias e demais micróbios desenvolvem resistência.


Por isso, o uso racional de antimicrobianos é uma questão de saúde pública e uma responsabilidade coletiva de todos nós. Com ações simples, porém extremamente impactantes, é possível frearmos o desenvolvimento da resistência microbiana.


1) Antibióticos servem somente para tratar uma INFECÇÃO

Pode parecer óbvio, mas muitas vezes os leigos equivocadamente pedem a prescrição de antibióticos para resolver problemas de saúde diversos. Antibióticos não são antitérmicos, anti-inflamatórios nem remédios para dor; para tanto, existem medicações específicas para o controle destes sintomas mesmo quando os mesmos são causados por uma infecção. Afinal, febre e dor podem persistir por alguns dias até que o antibiótico faça seu efeito eliminando o germe causador da infecção e, assim, restabelecendo a saúde.


2) A maioria das infecções não precisa de antibiótico

Muitas infecções têm resolução espontânea e não necessitam de antibióticos no seu tratamento. Como exemplo, temos as IVAS (infecções de vias aéreas superiores), principais causas de visita ao médico e aos pronto-atendimentos. Resfriados, sinusites, laringites e bronquites são exclusivamente causados por vírus em mais de 90% dos casos e não demandam o uso de antibióticos para a sua cura. Infelizmente, mais de 70% das consultas por esses diagnósticos acabam resultando na prescrição de antibióticos.


3) Vacine-se

As vacinas são importantes ferramentas de prevenção de doenças e de suas complicações, as quais resultam muitas vezes na necessidade de uso de antibióticos e internamentos hospitalares. Por exemplo, a vacinação contra gripe – uma infecção causada pelo vírus influenza – reduz drasticamente o risco de pneumonia bacteriana secundária e internamentos relacionados a esta complicação. Logo, reduz também o consumo de antibióticos.


4) Faça o descarte adequado de medicamentos

Os antibióticos e demais medicamentos são classificados como resíduos químicos e não devem ser descartados no lixo comum, muito menos pelo vaso sanitário ou ralo da pia. Estes compostos contaminam a água, o solo e o meio ambiente, resultando assim na pressão seletiva responsável pelo desenvolvimento da resistência microbiana. Por isso, realize o descarte correto nos pontos de coleta disponibilizados em farmácias, pelas prefeituras e por demais órgãos competentes.


5) Não utilize “sobras” de antibióticos

A automedicação é extremamente perigosa. Evite medicar-se sem um diagnóstico médico. Diversos sintomas comuns podem ser resolvidos com medicações simples, mas que sempre devem ser prescritas por um médico e orientado conforme o caso de cada paciente.


6) Menos é mais

Diversos trabalhos mais modernos têm demonstrado que ciclos curtos são igualmente eficazes na resolução e na cura de infecções quando comparados a ciclos mais longos de antibióticos. Infecções urinárias não complicadas podem ser resolvidas com 3 dias de tratamento, e não 7; em pneumonias, no geral 3 a 5 dias tem se provado suficiente. Converse com seu médico sobre o tempo necessário para tratar sua infecção e discuta sobre as possibilidades de encurtar este período.


7) Diagnóstico é tudo

Graças aos avanços na medicina diagnóstica é possível distinguir na maioria das vezes quadros de infecção daqueles que não são decorrentes da ação de micro-organismos. Além do mais, exames como culturas automatizadas, métodos sorológicos e biologia molecular trazem ainda mais precisão ao tratamento, pois podem fornecer informações sobre qual é o agente infeccioso (diagnóstico etiológico) e quais medicamentos são eficazes para combatê-lo (testes de sensibilidade a antimicrobianos). No entanto, é importante que todos os envolvidos no processo estejam cientes da importância da investigação adequada das infecções. Médicos, pacientes e sistemas de saúde devem estar constantemente atualizados sobre as técnicas disponíveis e, principalmente, ter a consciência de que um diagnóstico preciso é fundamental para adequadamente indicar ou não um tratamento.


8) A Terra e a saúde são uma só

Mais de 2/3 dos antimicrobianos utilizados no planeta são de uso veterinário e na agricultura; se não bastasse o uso inadequado na saúde humana, os impactos do uso inadequado e abusivo na agropecuária têm gerado são gigantescos. No entanto, é importante que a sociedade esteja ciente e preparada para pressionar produtores, órgãos fiscalizadores e governos para que se limite o uso de antimicrobianos e defensivos agrícolas, pois estes compostos químicos sabidamente alteram a natureza e os seres vivos de todos tamanhos – sejam eles árvores centenárias gigantes como até mesmo as mais simples bactérias.


Sobre o autor

Dr. Ricado Paul Kosop (CRM/PR 28565 - RQE 19142)

Médico Infectologista e Diretor Médico do LabCK

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